A validade das cláusulas de exclusividade e a livre concorrência

A minha empresa pode celebrar contratos com cláusula de exclusividade? Isso fere a livre concorrência?

As cláusulas de exclusividade são definidas quando compradores de um determinado bem ou serviço se comprometem a adquiri-lo com exclusividade de determinado vendedor (ou vice-versa), ficando assim proibidos de comercializar os bens ou prestar os serviços a concorrentes do adquirente. Em outras palavras, as relações de exclusividade contratuais envolvem cláusulas restritivas às relações estabelecidas entre agentes econômicos.

A preocupação concorrencial em relação a essa espécie de cláusula gira em torno do risco do possível fechamento de mercado (market foreclosure) para potenciais ou efetivos rivais, na medida que restringe o fornecimento de um serviço/produto e pode comprometer o acesso de concorrentes ao mesmo, limitando sua liberdade de atuação.

De caráter orientativo, o anexo I da Resolução nº 20/1999 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE define e classifica práticas restritivas à concorrência, indicando os acordos de exclusividade como uma possível prática restritiva vertical.

Portanto, em determinados contextos, os acordos de exclusividade podem ser considerados práticas anticoncorrenciais, se enquadrando como infração à ordem econômica, tipificada no art. 36, § 3º, inc. III e IV da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/11).

No entanto, a mera estipulação de exclusividade não é, por si só, uma prática vedada pela legislação antitruste. A verificação da condição contratual como prática anticompetitiva e, portanto, ilícita depende de uma criteriosa análise dos efeitos da conduta no caso concreto, tendo em vista que diversas eficiências compensatórias podem decorrer do estabelecimento de relações de exclusividade.

Em outras palavras, apesar de as cláusulas de exclusividade se enquadrarem nas disposições supracitadas como possível infração à ordem econômica, a priori, elas não se configuram como um ilícito per se, apesar de seu caráter restritivo.

Então, para análise caso a caso, deve-se aplicar a regra da razão (rule of reason). Nesse sentido, a jurisprudência do CADE é clara ao dispor que, de acordo com a regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência de forma não razoável.

Segundo essa “regra da razão”, as infrações, sejam as elencadas no §3º do art. 36 da Lei de Defesa da Concorrência, sejam outras não previstas no rol legal exemplificativo, não são condenáveis em si. Isto é, não se pode considerar uma conduta como ilícita sem antes averiguar e sopesar os benefícios e desvantagens ao mercado.

A própria Resolução nº 20/99 do CADE possui o entendimento de que a licitude/ilicitude de uma cláusula de exclusividade só pode ser aferida mediante a ponderação, no caso concreto, entre as eficiências e as restrições geradas pelo acordo. Ou seja, deve-se aplicar aos acordos de exclusividade a regra da razão.

É importante ressaltar que, ainda que a regulamentação infralegal invocada tenha sido editada antes da vigência da atual legislação antitruste (Lei nº 12.529/11), ela permanece em vigor e não se encontra, salvo melhor juízo, divergente do diploma legal vigente, constituindo importante fonte para a análise realizada.

Como já mencionado, a licitude ou não de uma cláusula de exclusividade depende da análise dos seus efeitos no caso concreto.

Como aplicar a regra da razão às cláusulas de exclusividade?

Apesar de ainda não existir uma metodologia de análise consolidada, que sistematize as etapas e os critérios de exame das cláusulas de exclusividade, a doutrina e a jurisprudência do CADE, em regra, se baseiam nas seguintes etapas para análise:

1ª Etapa: Definição do mercado relevante e da existência de posição dominante do agente;

2ª Etapa: Análise de fechamento de mercado; e,

3ª Etapa: Ponderação entre os efeitos negativos e eficiências compensatórias da prática sob investigação.

Na 1ª etapa, deve-se averiguar se a empresa beneficiada com a cláusula de exclusividade detém posição dominante, e para isso recomenda-se considerar o disposto no art. 36, §2º da Lei nº 12.529/11, o qual presume que para a empresa ou grupo de empresas ocupar tal posição deverá controlar pelo menos 20% (vinte por cento) do mercado relevante. É possível, no entanto, que essa posição dominante também se caracterize por outros fatores, como relevância da marca ou sua reputação.

Já na 2ª etapa, deve ser realizada uma avaliação dos efeitos negativos sobre o mercado, onde será principalmente analisada a abrangência da exclusividade e os prazos de tal restrição. Cotejando essa situação com o market share do beneficiado pela exclusividade, será possível avaliar se há ou não fechamento do mercado capaz de prejudicar a livre concorrência.

Destaque-se que, em relação ao prazo de exclusividade, o CADE tem utilizado em diversos processos o período máximo de 5 (cinco) anos, aplicando por analogia seu entendimento quanto a cláusulas de não competição. Apesar de não ser um prazo legal, inclusive já tendo sido reconhecido pela autarquia a licitude de acordos de exclusividade com prazos superiores, é o prazo recomendado.

Por fim, na 3ª etapa, será averiguado se as restrições impostas são essenciais ou, ao menos em parte, relevantes para a geração dos efeitos positivos a que se propõe o acordo, e se podem ser consideradas razoavelmente necessárias para atingir os seus objetivos.

Cláusulas de exclusividade podem gerar eficiências econômicas, como economia de custos de transação para os produtores/ofertantes e a redução de condutas oportunistas dos revendedores em razão da concorrência entre marcas. Ainda, podem ser essenciais a depender da natureza do negócio.

Todas essas consequências em potencial devem ser sopesadas para definir se há ou não ilegalidade na estipulação contratual de exclusividade para a prestação de um serviço ou fornecimento de um bem.

Por oportuno, no campo prático, vale citar a decisão da Superintendência do CADE, em março de 2021, que impôs uma medida preventiva contra o aplicativo de delivery iFood, onde a empresa ficou impedida de firmar novos contratos que contenham acordo de exclusividade junto a restaurantes. Sob o argumento de que desfruta da vantagem de ser a empresa pioneira e que detém posição dominante no setor, a cláusula de exclusividade por ela imposta tem alto potencial de prejudicar a concorrência entre as empresas.

Considerações finais

Portanto, a análise da jurisprudência envolvendo cláusulas de exclusividade revela que o CADE se pauta pela necessidade de se proceder a um exame dos efeitos da exclusividade, para que, dessa forma, consiga apurar se ela é lícita ou não sob a perspectiva concorrencial.

Assim, as referidas cláusulas não podem ser consideradas ilícitos per se, mas devem ser avaliadas considerando o mercado relevante investigado e a posição da empresa neste mercado, bem como os efeitos anticoncorrenciais que decorrem da prática examinada. Se a empresa em favor da qual é estipulada a exclusividade não possuir posição dominante no mercado em análise, ou se não houver efeitos negativos à concorrência suficientemente comprovados, ou se, ainda que havendo, existam eficiências que os compensem, a prática de exclusividade não poderá ser considerada uma infração concorrencial.

 

 

Sobre a autora:

MELINA HEYSE E MARCHETTI – Advogada, graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná – ESMAFE/PR, possui curso de atualização em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e curso de extensão universitária na Alma Mater Studiorum – Università de Bologna – Itália. É membro da Comissão de Inovação e Gestão da OAB – Seção do Paraná (OAB/PR).

melina.marchetti@morenomoro.com.br

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