Minha empresa pode realizar assembleia geral digital?

O ano de 2020 foi marcado como um dos mais desafiadores do século até agora, impondo, não apenas aos indivíduos, mas também às empresas, uma nova realidade em razão da pandemia do novo coronavírus e da decorrente decretação de estado de calamidade pública no Brasil. A necessidade de rápida adequação às condições excepcionais impôs uma série de modificações na legislação pátria, para que assim pudesse se harmonizar com as políticas públicas de enfretamento ao vírus.

Em aspectos societários, dentre outras medidas, foi editada a Medida Provisória nº 931/2020, posteriormente convertida na Lei nº 14.030/2020, que, em linhas gerais, dispõe sobre as assembleias e as reuniões de sociedades anônimas, de sociedades limitadas, de sociedades cooperativas e de entidades de representação do cooperativismo.

A Lei nº 14.030 inseriu o art. 1.080-A no Código Civil (Lei nº 10.406/02) para permitir que as sociedades limitadas possam realizar as suas deliberações sociais de forma digital, também incluiu o art. 43-A na Lei das Cooperativas (Lei nº 5.764/71) e alterou a redação dos arts. 121 e 124 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) possibilitando a realização de assembleia geral por meio digital.

Especificamente às S/A, a nova redação dos artigos supramencionados determinou que a participação e votação do acionista deverá seguir regulamento específico da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). A Instrução CVM nº 481 de 2009 foi recentemente editada para regulamentar a modalidade de assembleia à distância, disciplinando sobre a forma de participação e votação do acionista por meio de sistema eletrônico.

Entretanto, prevendo uma maior regulamentação da norma jurídica, o DREI (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração), que coordena as juntas comerciais do Brasil, publicou, em 15 de junho de 2020, a Instrução Normativa nº 81, que regulamenta normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas, bem como as disposições do Decreto nº 1.800/96.

A IN DREI nº 81 regulamenta a realização de assembleias integralmente na modalidade virtual, também denominada digital, nas sociedades anônimas, sociedades limitadas e sociedades cooperativas. Tal modalidade se trata de conclave com a participação remota dos envolvidos, sem a necessidade de instalação em espaço físico. A mencionada regulamentação também possibilitou a realização das deliberações sociais na modalidade semipresencial, também denominada híbrida, hipótese em que a assembleia deverá ser instalada em local físico e os participantes poderão optar pela participação e votação presencial ou remota.

A realização de assembleia na modalidade digital ou semipresencial exige a utilização de plataforma digital, e a regulamentação traz regras e princípios básicos quanto aos requisitos necessários para sua utilização.

Basicamente a plataforma deverá garantir:

(i) a segurança, a confiabilidade e a transparência do conclave;

(ii) o registro de presença dos sócios;

(iii) a preservação do direito de participação a distância do sócio durante todo o conclave;

(iv) o exercício do direito de voto a distância por parte do sócio, bem como o seu respectivo registro; 

(v) a possibilidade de visualização de documentos apresentados durante o conclave;

(vi) a possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos sócios; 

(vii) a gravação integral do conclave, que ficará arquivada na sede da sociedade;

(viii) e, a participação de administradores, pessoas autorizadas a participar do conclave e pessoas cuja participação seja obrigatória.

Com a leitura da regulamentação, percebe-se que não ocorreu a indicação da plataforma e das ferramentas tecnológicas a serem adotadas para a realização dos conclaves, tendo a IN DREI nº 81 definido apenas os requisitos para que sejam realizados com segurança, deixando à sociedade o livre critério de escolha. A sociedade, levando em consideração a dinâmica de suas assembleias, deverá escolher o sistema mais adequado, podendo optar pelo desenvolvimento de sistemas internos próprios ou plataformas já disponíveis no mercado.

Outro ponto de atenção é relativo à ata da assembleia, que poderá ser assinada isoladamente pelo presidente e/ou secretário da mesa, que certificarão, em lista única, os presentes, assim entendidos aqueles que compareceram presencialmente ao local físico em que se realiza o conclave, aqueles que enviaram o boletim de voto à distância e aqueles que registraram sua presença por meio do sistema disponibilizado para realização do conclave. Ressalta-se que a presença do sócio pode ser confirmada mesmo que não esteja no encontro por videoconferência, desde que tenha participado das deliberações por meio do boletim de voto à distância (voto escrito entregue à sociedade antes do início da assembleia).

Para fins de registro, a ata deverá preencher os mesmos requisitos legais da assembleia presencial, devendo constar a informação sobre qual modalidade foi realizado o conclave e a forma pela qual foram permitidas a participação e a votação. Além disso, o presidente e/ou secretário deverá declarar expressamente que foram atendidos todos os requisitos legais para a sua realização, e os membros da mesa deverão assinar a ata respectiva e consolidar, em documento único, a lista de presença.

É importante ressaltar que na hipótese de a ata do conclave não ser elaborada em documento físico, as assinaturas dos membros deverão ser realizadas com certificado digital emitido por entidade credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil ou qualquer outro meio idôneo de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica.

Ao final do conclave, seja ele operado na forma digital ou semipresencial, todos os documentos a ele relativos deverão ser mantidos arquivados, bem como a sua gravação integral, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la.

Tendo em vista as inovações acima resumidas, percebe-se que o direito societário e seu arcabouço regulatório evoluiu em vários aspectos, cumprindo com o propósito de minimizar os efeitos desencadeados pelo estado de calamidade social e emergência de saúde pública que assola o país, bem como de garantir condições jurídicas seguras para o enfrentamento de crises. O aprendizado que se espera desse período e das inovações legislativas com ele advindas, em especial das novas modalidades de realização das assembleias e reuniões, é que elas perdurem além do período de pandemia, demostrando que novas tecnologias oferecem benefícios que ultrapassam o enfrentamento do cenário atual.

Sobre a autora

MELINA HEYSE MARCHETTI – Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 83.500, graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, pós-graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná – ESMAFE/PR, possui curso de atualização em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e curso de extensão universitária (intercâmbio) na Alma Mater Studiorum – Università de Bologna – Itália. Atualmente é advogada no escritório Moreno Moro Advogados e realiza diversos trabalhos e estudos relacionados à área de Direito Empresarial e Compliance.

E-mail: melina.marchetti@morenomoro.com.br

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