O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que visa permitir que o patrimônio pessoal de sócios ou administradores de uma pessoa jurídica respondam por dívidas desta (ou vice-versa), passou por significativas alterações neste ano.
Através da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19), o artigo 50 do Código Civil – CC (Lei nº 10.406/02), que trata do instituto, recebeu nova redação, a fim de proporcionar maior segurança jurídica aos empreendedores e investidores.
Sabe-se que a pessoa jurídica é dotada de personalidade jurídica própria, o que permite que contrate e assuma obrigações em nome próprio, tendo, portanto, patrimônio próprio.
No entanto, por vezes, esse ente pode ser utilizado com outra finalidade: causar confusão com o patrimônio de sócios e administradores, seja para atingir fins escusos ou prejudicar terceiros.
É neste cenário que surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que admite, quando comprovada fraude no uso da pessoa jurídica, o afastamento dessa autonomia patrimonial, de modo que o patrimônio pessoal de sócios e administradores respondam por obrigações em nome da pessoa jurídica.
Modernamente, também admite-se a “desconsideração inversa da personalidade jurídica”, isto é, que o patrimônio da pessoa jurídica responda por dívidas pessoais de sócios e administradores, igualmente quando comprovada fraude.
Desde sua publicação, o Código Civil vigente – CC (Lei nº 10.406/02) trazia regramento sobre a desconsideração da personalidade jurídica, contudo, em uma redação singela e insegura, que deixava um amplo campo interpretativo e argumentativo para que o julgador pudesse decidir pela desconsideração ou não.
A Lei da Liberdade Econômica inseriu o art. 49-A no Código Civil que reafirma a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. O parágrafo único do dispositivo, por exemplo, assevera que “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.
Especificamente em relação à desconsideração da personalidade jurídica, o art. 50 do Código Civil foi alterado pela nova legislação, recebendo redação mais ampla, porém objetiva.
Permanece como requisito indispensável à desconsideração, o “abuso da personalidade jurídica”, caracterizado pelo “desvio de finalidade” ou pela “confusão patrimonial”.
Contudo, a fim de proporcionar maior segurança, o dispositivo agora explicita que o desvio de finalidade decorre da “utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”, sendo que não caracteriza desvio “a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica” (art. 50, §§ 1º e 5º, do CC).
Do mesmo modo, o §2º do dispositivo explica que a “confusão patrimonial” se dá por (i) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (ii) transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e, (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
O aprimoramento do art. 50 do Código Civil traz balizas mais objetivas para a desconsideração da personalidade jurídica, estimulando o empreendedorismo.
A nova redação também cria um ambiente mais seguro para planejamentos patrimoniais a partir da utilização de pessoas jurídicas, impedindo excessivos arbítrios que ocorriam sob a égide da redação anterior, mais precária.
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